Petróleo e desenvolvimento na Venezuela
Petróleo e desenvolvimento na VenezuelaDaniel A. Grabois
Daniel Aguiar Grabois, bacharel em ciências jurídicase sociais pela Universidade Federal da Paraíba, pós-graduado pelaEscola Superior da Magistratura da Paraíba e noInstituto de Estudos Políticos de Lille, mestrando em‘Affaires Internationales’, especialidade‘desenvolvimento’ no Instituto de Estudos Políticos deParis (Sciences-Po). Atualmente trabalhando no escritório do Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento na Paraíba – PNUD.
grabois@yahoo.com
Radicalização política desmotivada? Populismo? Efetivamente, a Venezuela tem passado por um movimento de reorientação política desde 1998, com a eleição de Hugo Chávez. Como bem se sabe, sua postura por vezes é tida como radical, contrária à globalização ou até mesmo antidemocrática. Todavia, com freqüência não se expõem muito claramente os problemas pelos quais tem passado a sociedade venezuelana desde a sua formação colonial.
As desigualdades sociais são enormes, quadro que é piorado pela dependência ao petróleo, estagnação econômica e corrupção, que proporcionaram as bases para tais níveis de radicalismo. Assim, pretendemos observar como a abundância de recursos petrolíferos (sobretudo em tempos de preços recordes) vem interagindo com o quadro sócio-político venezuelano e qual influência poderia ter nas eleições presidenciais de dezembro deste ano.
Em termos de desigualdades, a Venezuela, seja no período agrícola pós-bolivariano (açúcar, café e cacau), seja no petroleiro a partir de 1917, a massa da população de uma maneira ou de outra sempre esteve excluída dos benefícios da riqueza produzida. Deste modo, tanto a mecanização das plantations, quanto a extração de petróleo induziram o êxodo rural e o inchaço das cidades. Deste modo, o País registra uma concentração urbana de 87% dos atuais 26 milhões de venezuelanos, dentre os quais 15 milhões vivem em favelas, conhecidas por Barrios.[1] Os eixos petroleiros Maracaibo-Caracas-Cumaná, assim como a bacia do rio Orinoco, acolhe a maior parte dessa população.
Além do fato de simplesmente reconhecer a existência de desigualdades, é importante ressaltar algumas características da organização econômica venezuelana. Neste sentido, o gráfico mostrado logo abaixo é uma série histórica de IDH, construída com dados do Relatório do Desenvolvimento Humano 2005 do PNUD, que identifica, no caso venezuelano, um quadro de estagnação impressionante. Em especial se considerarmos que em 1975 a Venezuela tinha o melhor IDH no grupo. Entretanto, estagnação nem sempre foi regra, especialmente nos períodos de altos preços do Petróleo. Visto que desde 1958 a renda proveniente do petróleo tem representado cerca de 91%[2] do seu PIB, o que deixa bastante evidente um quadro de fragilidade em face do valor do barril. O que se vê em Caracas hoje são construções em sua maioria dos anos 1970, o que é compreensível pelo boom promovido pelo choque petroleiro e o conseqüente bust dos anos 80 e início dos 90. Em suma, o que nos resta definir é a quem pertenciam os recursos advindos do petróleo, como eles vinham sendo utilizados e qual a sua influência no cenário macroeconômico da Venezuela.
A presença de multinacionais petroleiras na Venezuela foi determinante na estruturação da matriz nacional de exploração de petróleo. Entre os diversos períodos de privatização, nacionalização e abertura internacional – o que não vem ao caso tratar integralmente neste momento – os benefícios do Petróleo raramente chegavam à maioria do povo. Entre multinacionais, altos funcionários da Petróleos de Venezuela S.A. e grupos políticos resolviam-se quais seriam os caminhos a serem trilhados com a riqueza do petróleo, num círculo vicioso, no mínimo anti-patriótico, senão, em certos casos, irremediavelmente corrupto.
Esta elite político-econômica representava uma parcela ínfima da população que nunca se preocupou em incrementar a diversificação produtiva do país, já que se tinham recursos suficientes para satisfazer suas necessidades e luxos através de importações. Assim, nunca se conseguiu realmente criar um parque industrial na Venezuela. Todavia, outros fatores precisam ser levados em conta nesta observação sobre esta dependência tão enraizada ao petróleo. Nem tudo pode ser atribuído a corrupção ou a jogos de interesse. Os cenários de enfermidade holandesa e de maldição do petróleo, ambos efeitos perversos do fato de um país ter recursos naturais de alto valor econômico em abundância, se mostram aplicáveis no caso venezuelano. [3]
Em poucas palavras, as divisas provenientes das exportações de petróleo tornam a balança comercial positiva, o que fortalece a moeda local. Como conseqüência, o resto da produção se torna cada vez menos competitiva em face do que pode ser importado por preços menores. Assim, como ocorreu na Holanda nos anos 70 com a descoberta de gás natural pela Shell no Mar do Norte, a Venezuela vem pagando caro pelo dom natural de possuir tanto petróleo. Mas trata-se mesmo de uma maldição?
O que se percebe é que há solução para este ‘problema’, tanto que a própria Holanda superou tais dificuldades, tendo hoje um PIB semelhante ao do Brasil, só que com 150 milhões de habitantes a menos. Num cenário de diversificação de portfolios de investimentos no exterior, subsídios para o fortalecimento (de competitividade) da industria nacional e verbas massivas destinadas à educação, conseguiu-se tal feito. É neste sentido que se consegue compreender o porque da chegada de Hugo Chávez ao poder.
Conversando com populares em Caracas chega-se à conclusão de que Chávez é o primeiro governante na história do país a direcionar políticas públicas à totalidade dos venezuelanos, mesmo se muitos ressaltam sua personalidade excêntrica. O fato é que nunca se viu tanto desenvolvimento em tão pouco tempo neste país. Rémy Herrera sublinha que as misiones de saúde, educação e de inserção social do governo Chávez já ultrapassaram as metas para 2015 que a ONU propõe através dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).[4]
Assim, concluímos que muito tem sido feito apesar das dificuldades que um modelo de desenvolvimento sul-sul pode gerar numa Venezuela ainda tão fragilizada pela fratura social e pelo jogo de interesses dos que não compõem mais a cúpula de poder político nacional ou cujo lobby não apresenta mais resultados.
Populismo, ditadura disfarçada, corrida armamentista gratuita? Em termos de populismo, tomo a posição de Emir Sader que sugere o termo socialismo como mais adequado, já que “na era neoliberal, o termo populismo é usado para desqualificar prioridades sociais, eixo de uma alternativa pós-liberal”.[5] No que concerne as acusações de antidemocrático, trata-se de mais um equívoco. Além de ter sido eleito de forma democrática – e ratificada por um referendo após dois anos de governo –, basta ligar a televisão ou ir num jornaleiro para constatar que o Estado não domina ou censura a imprensa e os meios de comunicação. Pelo contrário, vêem-se mais caricaturas políticas na mídia venezuelana do que na francesa!
Por fim, refuta-se igualmente as críticas à questão das recentes compras de armamentos feitas pelo governo Chávez. Não existe Estado de Direito sem uma estrutura que, em último caso, assegure o império da Lei. As forças armadas venezuelanas encontravam-se totalmente esfaceladas, incapazes de realizar a segurança nacional. Assim, além de encontrar uma solução imediata para o desemprego massivo entre os jovens, o Estado passa a ser capaz de assegurar sua soberania. Um dado importante é que o Chile é o país latino-americano que mais tem gastado com suas forças armadas desde 2001. Em dezembro de 2005, a CEPAL, em conjunto com o FMI e a IISS de Londres, publicaram um relatório atribuindo ao Chile gastos militares da ordem de US$90 per capita no biênio 2004-2005.
O que se deve reter desta curta análise é o fato de que muito do que acontece não é exposto de maneira imparcial na mídia internacional mainstream e muitos interesses estão por trás dos mais diversos tipos de rótulos propostos por estes grupos político-econômicos. Todavia, não se deve tampouco achar que o atraso venezuelano é único-exclusivamente conseqüência de corrupção em face das riquezas do petróleo, quando na realidade estes recursos exigem uma gestão de alto nível técnico para que não se afunde ainda mais o barco, ou melhor, o petroleiro.
[1] A. Gamblin (org). Les Amériques Latines : unité et diversité des territoires. Sedes : Paris, 2005. p.143.
[2] G. Morón. Breve Historia contemporánea de Venezuela. Fondo de cultura económica, 1994. Pp. 343-344.
[3] S. van Wijnbergen. The ‘Dutch disease’: A disease after all? The economic journal. Vol. 94. N.373. (Mar. 1984).
[4] Rémy Herrera. OMD: lutte contre la pauvreté ou guerre contre les pauvres ? Objectifs du Milénaire pour le développement. Alternatives Sud. Vol 13. (2006) N.1. Pp. 185-199.
[5] Emir Sader. O populismo em sua mais completa tradução. In: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/
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