5/18/2006

Notas sobre a violencia em Sao Paulo



Por Adriana Dias Vieira
adrianadvieira@yahoo.com.br

Infelizmente, não foi inesperado, nem imprevisível, o que aconteceu em São Paulo: nem o desfazimento, nem a normalização da ordem. A sociedade brasileira, de uma maneira ou de outra, se acostumou a viver amendrontada. Vive-se durante os períodos de paz. Fecham-se universidades, comércios e bares durante as crises. Todo mundo sabe que o Estado brasileiro não tem o monopólio da violência e que, sozinho, não tem a capacidade de prover a segurança publica aos cidadãos, especialmente nas grandes cidades.
O que aconteceu em São Paulo, nesses últimos dias, representou uma crise do acordo que existe entre o governo do Estado de São Paulo e o Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa que se criou e se consolidou dentro dos presídios paulistanos em meados da década de 90, com o intuito de funcionar como um instrumento de pressão perante à Administração Penitenciária, para fins de transferência e liberação dos presos. Durante quase 15 anos, a organização se fortaleceu e hoje constitui um dos mais fortes e ameaçadores poderes paralelos ao Estado brasileiro.
O botão que acionou o caos em São Paulo foi a decisão do governo paulista de transferir mais de 765 presos ligados à facção para penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km a oeste de São Paulo), na quinta-feira (11). Na sexta-feira, iniciaram os ataques. No sábado (13), Martola, líder da facção, foi transferido para a penitenciária Presidente Bernardes e colocado em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que prevê uma série de restrições aos direitos usuais do preso.
O saldo do desacordo foi um completo desfazimento da ordem em todo o Estado de São Paulo. Até a quarta-feira (17.05.06), a Secretaria de Segurança Pública contabilizou mais de 250 ataques criminosos. Segundo o jornal a Folha de São Paulo1, o movimento de represália deixou 146 mortos, entre eles vinte e três policiais militares, seis policias civis, três guardas municipais, oito agentes penitenciários e quatro civis, além de mais de noventa “suspeitos”, mortos em combates com a polícia.
Entretanto, a leitura atenta das noticias divulgadas pela imprensa brasileira deixa claro que as duas piores consequências do episódio foram: 1. o aumento do sentimento de insegurança por parte da sociedade brasileira, que, desinformada e amedrontada, pede o sangue dos culpados; 2. um desgaste da imagem do Estado brasileiro que, impotente diante da represália, reorganizou a paz mediante um acordo efetuado em reunião na sede da Penitenciária Presidente Bernardes,no domingo (14), em que se fizeram presentes os representantes da Polícia Militar e o chefe do PCC, Marcos Willians Herba Camacho, conhecido como Marcola. A informação, apesar de negada pelo governo brasileiro, está nas primeiras paginas dos jornais brasileiros de maior circulação.
Segundo o que a Folha apurou, o preso Orlando Mota Júnior, 34, o Macarrão, foi um dos principais interlocutores do governo. Ele e outros líderes do PCC deram a ordem de cessar os atentados. Nas conversas com representantes da Secretaria da Administração Penitenciária, a facção condicionou o fim dos ataques a benefícios a presos transferidos para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (620 km de SP) e à não entrada da Tropa de Choque da PM nos presídios rebelados. Na quinta-feira, 765 detentos --todos membros do PCC-- foram levados para a penitenciária.Na pauta estava o banho de sol. Os presos estão trancafiados, por medida de segurança, desde a transferência. O PCC pediu que os presos levados a Presidente Venceslau não sejam submetidos ao regime de observação. (Folha Online, reportagem de Gilmar Penteado e Andre Caramante2)
Quem, conhecendo a realidade brasileira, acreditaria no fim deste conflito, sem que tenha havido uma reestruturação dos acordo entre a Secretaria de Segurança Pública e o PCC?
O que impressionou a todos foi a capacidade de articulação e execução dos ataques organizados pelo PCC. O que escandaliza é a debilidade da segurança pública. O que entristece é a constatação de que esta rebelião não foi sufocada, nem o problema resolvido. Apenas postergado. Resta saber até quando.

1 Ver versão online em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121595.shtml
2 Ver reportagem completa: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121590.shtml