4/20/2006

Tierra. Criminalizacion. MST



“O Judiciário está despejando assentados”

http://carosamigos.terra.com.br/

por Marina Amaral
É o que denuncia o bispo dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra. A violência no campo aumentou este ano, como vem saindo nos jornais?Quando a mídia fala de aumento da violência no campo, refere-se ao aumento do número de ocupações e fecha os olhos para a violência real – assassinatos, impunidade dos criminosos e, mais recentemente, os despejos efetuados pelo Judiciário. Os dados da Comissão Pastoral da Terra mostram que entre janeiro e junho deste ano foram despejadas de assentamentos 8.492 famílias. Assentamentos ou acampamentos?Assentamentos! Agora mesmo (14 de agosto) tivemos uma liminar de despejo contra um assentamento em Turvânia, aqui em Goiás, onde vivem 92 famílias. O juiz deu a sentença, a polícia já está lá para tirar as famílias – assentadas há sete anos! E o pior é que o assentamento fica na área de uma fazenda que, além do mais, está penhorada no Banco do Brasil. Que direito tem esse pseudoproprietário de expulsar os trabalhadores que já têm lá o seu gadinho, o mandiocal, plantações permanentes? O Judiciário está atuando contra a classe trabalhadora, defendendo a propriedade da terra como direito absoluto sem levar em conta a função social da terra, garantida pela Constituição. Então há vários assentamentos em risco?Se o Judiciário continuar com a postura de agora, sem dúvida. Acho que os juízes estão se vingando do que consideram perda de privilégios – no caso da reforma previdenciária – criando obstáculos à reforma agrária. Como entender de outra maneira esse número crescente de liminares de despejo contra famílias assentadas? Os dados da CPT mostram que há 67 assentamentos, onde vivem 11.321 famílias, ameaçadas de despejo. Há alguma região especialmente visada?As ameaças de despejo estão ocorrendo no Brasil inteiro, mas, pelos últimos dados da CPT, já sabemos que, dessas 67 áreas alvos de liminares, 38 estão em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde vivem 8.492 famílias. Veja bem, a violência no campo se dá de três maneiras: a primeira é armada – é a reação dos latifundiários com suas milícias, recentemente os fazendeiros estão junto com seus capangas, encapuzados, utilizando armas de uso exclusivo do Exército, como já foi noticiado. Depois vem essa violência judiciária, que também está crescendo muito, como eu disse, em que os juízes concedem liminares em cima de documentos frios, sem o menor respeito pelas vidas humanas, pelas pessoas que estão vivendo da terra, que trabalham para o seu sustento. Por fim, vem a violência da mídia, que provoca um grande estrago na opinião pública e assim dificulta uma reforma agrária massiva, de qualidade, como o presidente Lula prometeu fazer. A campanha da mídia contra o MST é diária, contínua, um fogo que não se apaga. Ela é feita de manchetes – quando você vai ler a notícia, quase sempre tem a sensação da montanha que pariu o ratinho. Mas isso vai entrando na cabeça das pessoas e dificultando a relação dos movimentos populares com a classe média, enfraquecendo a união de forças necessária para fazer a reforma agrária.A atitude do Judiciário pode agravar a impunidade dos que agem com violência no campo?De 1985 a 1996 foram assassinados 976 trabalhadores rurais. Desses crimes, apenas 56 foram levados a julgamento e só catorze mandantes foram julgados. Daí, foram sete condenações, sendo que dois desses sete estão foragidos. Portanto, só cinco pessoas estão presas por 976 assassinatos. Quando se soma a essa realidade a atitude que o Judiciário está tomando no caso dos despejos, o cenário é grave. O Executivo pode fazer alguma coisa para pressionar o Judiciário?O Executivo tem de manter o caminho constitucional da reforma agrária, fazer essa reforma de qualidade que o presidente Lula assumiu. De nada adianta repetir o governo FHC, que adotou uma política de deportação dos sem-terra: a grande maioria dos assentamentos foi feita na Amazônia, em vez de privilegiar as áreas que já têm infra-estrutura, que hoje são ocupadas pelo agronegócio ou servem como áreas de lazer para a classe média. O senhor prevê o acirramento dos conflitos no campo?Há indícios disso, como no caso de São Gabriel, das marchas e contramarchas determinadas pelo Judiciário, na motivação política que está por trás das sentenças judiciais. E aí pesa muito a atitude da mídia, que, como eu disse, fecha os olhos para essa violência real e predispõe a população a se colocar contra o MST. Depois do massacre de Eldorado, a CPT fez uma pesquisa que mostrava que 70 por cento da população brasileira apoiava o MST e 80 por cento queria a reforma agrária. Não repetimos a pesquisa, mas temo que agora esse apoio seja menor, já que a pressão da mídia – contrariada pela mudança no governo federal – é cada vez maior. Para nos contrapor a isso, temos de manter a clareza, mostrar que as ocupações não são contra o governo Lula, mas sim pela necessidade de visibilidade do movimento de luta pela reforma agrária, que, nunca é demais repetir, é uma reforma que interessa a todos os brasileiros e não apenas aos que moram no campo. Depois, é importante que o governo federal mantenha a coerência como vem fazendo, tanto que posso citar três medidas concretas já tomadas pelo Executivo que vão contribuir para a reforma agrária pacífica que a sociedade quer. Primeiro: o Plano Safra já está aprovado e sendo pago. Isso significa que todo mundo que trabalha no campo vai receber o financiamento para a safra 2003-2004, o que até então era um privilégio do agronegócio. Isso vai acabar com o disparate de, em vários assentamentos, as pessoas terem de sobreviver da cesta básica em vez de se sustentar da produção da terra. Outra medida concreta: o Plano de Emergência para os acampados, em que, de um lado, se garante a cesta básica – necessária nessa situação emergencial –, enquanto se trabalha para assentar essas 120.000 famílias que estão acampadas. O governo já acenou com a proposta de assentar 60.000 famílias, o pessoal não está conformado, quer cobrar mais, mas acredito que teremos condição de fazer um plano de assentamentos satisfatório. E o que é preciso fazer do ponto de vista legal? Aprovar novas leis para viabilizar essa pretendida reforma agrária maciça e de qualidade?Eu participo do Fórum de Reforma Agrária, que está colaborando com o governo para elaborar um segundo plano nacional de reforma agrária. O primeiro plano foi feito pelo José Gomes, quando ele era presidente do INCRA, no governo Sarney, mas não obteve a aprovação do Congresso. É engraçado, porque, quando isso aconteceu, ele me disse: "Não fui derrubado pela oligarquia dos Caiado e sim pelos empresários de São Paulo". Veja, não foram os goianos "atrasados" que impediram a reforma agrária, foram os "modernos" empresários do agronegócio paulista. Mas acho que esse novo plano de reforma agrária vai passar e teremos dado um grande passo. Esse plano vai apresentar leis específicas, como, por exemplo, uma que limite o tamanho das propriedades agrícolas?Olha, em primeiro lugar, precisamos derrubar as limitações legais que temos em relação a essa possibilidade. O centrão conseguiu enfiar na Constituição uma emenda que só permite fazer reforma agrária em terras improdutivas, ou seja, colocaram um obstáculo do tamanho do pico do Jaraguá no caminho de nossas possilibilidades de reforma agrária. O limite de 1.000 hectares para a propriedade rural exige uma legislação específica, uma vez removido esse obstáculo, e para que isso se transforme em lei é preciso que a sociedade brasileira se mobilize para levar adiante essa bandeira. "
Marina Amaral é jornalista.