10/23/2008

Corte Internacional aciona Brasil para explicar anistia


Iagê Zendron Miola*


A notícia de que o Estado brasileiro foi convocado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para audiência pública sobre a sua lei de anistia, datada de 1979, deve ser situada em um contexto mais amplo, na conjuntura recente do cenário político brasileiro e latino-americano, para uma melhor compreensão do seu significado. A interpretação da norma que concedeu anistia aos crimes políticos cometidos entre os anos de 1961 e 1979 - período marcado pelo golpe militar de 1964, que iniciou o regime de exceção - alcançou maior proeminência no debate público nacional a partir da recente postura pró-ativa do Estado em discutir o tema e agir em diversas frentes. Algumas dessas ações vêm sendo implementadas pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça do Brasil, responsável por julgar os requerimentos de anistia política dos perseguidos pelo regime. Através de sessões de julgamentos de grande importância simbólica realizadas em diversas regiões do País e de debates públicos sobre o tema (como, por exemplo, a Audiência Pública sobre a Lei de Anistia, realizada em julho deste ano), a Comissão tem contribuído para manter o tema incandescente. Paralelamente, diversas ações judiciais vêm sendo promovidas por perseguidos ou familiares de perseguidos políticos para responsabilização civil do Estado – há, inclusive, uma ação judicial iniciada por uma Procuradora da República com o objetivo de reaver, diretamente dos agentes da ditadura, as quantias pagas pelo Estado nas condenações por responsabilidade civil. O debate sobre a Lei de Anistia, no entanto, motivo da convocatória objeto da notícia, ocupa lugar destacado neste contexto. Discute-se, nesse sentido, a extensão da anistia concedida pela lei, isto é, a possibilidade de punição de crimes de tortura, desaparecimento forçado e assassinatos cometidos pelos militares, trazendo à cena as convenções e tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. O tema adquire, assim, relevância internacional, principalmente se atentarmos para movimentos semelhantes ocorridos em outros países da América Latina, como Chile e, mais recentemente, Argentina, quando, em 2005, a Suprema Corte daquele país derrubou as leis que impediam a punição dos agentes da repressão. A convocatória da Comissão Interamericana de Direitos Humanos se insere, portanto, em um momento histórico de intensas divergências políticas e jurídicas entre distintos campos da sociedade brasileira. As conseqüências e repercussões desse debate, que tem na audiência mais um importante episódio, devem ser observadas de perto, pela sua relevância imediata, sua importância para o futuro das instituições democráticas do país e mesmo para a América Latina, que compartilha não apenas um passado recente marcado pelos regimes de exceção, como também o interesse em (re)construir uma memória que é, em grande medida, comum.

* Mestrando em sociologia jurídica pelo Instituto Internacional de Sociología Jurídica de Oñati
iagezm@gmail.com


Corte Internacional aciona Brasil para explicar anistia aos torturadores



Brasília, 22/10/2008 - O Estado brasileiro foi oficialmente notificado pela Secretaria Executiva da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA - Organização dos Estados Americanos para dar explicações sobre sua lei de anistia. Atendendo a pedido da organização não-governamental Center for Justice and International Law - CEJIL a Comissão Interamericana de Direitos Humanos convocou uma audiência temática a ser realizada durante a 133º Sessão da CIDH na sede da OEA.
O CEJIL alegou que a lei de anistia no Brasil é interpretada equivocadamente como tendo permitido a anistia a agentes torturadores, o que fere a própria jurisprudência das cortes internacionais que já declarou que os crimes de tortura são crimes contra a humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia. No ofício encaminhado à OEA, o CEJIL alega que a Lei de Anistia brasileira permanece como um obstáculo à realização da Justiça e ao direito à verdade sobre as graves violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar brasileira.

O Estado brasileiro deverá prestar oficialmente informações sobre as ações que está implementando visando assegurar as convenções e tratados internacionais sobre direitos humanos aos quais o país é signatário. A delegação brasileira será composta, entre outros, por representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça e da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

A audiência pública não tem caráter deliberativo ou condenatório e, sim, de uma primeira discussão informativa. A partir da Audiência Pública os juízes da Comissão poderão receber interpelações específicas solicitando a condenação do Brasil junto às cortes internacionais caso o país não consiga demonstrar efetivamente que os três poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) em suas respectivas responsabilidades não estão respeitando os tratados e convenções sobre a matéria.

FONTE: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=14951