Algumas palavras sobre o filme Tropa de Elite
Por Vera Malaguti BatistaPodemos inserir esse filme numa linhagem de produções comerciais, com apurada linguagem e técnicas publicitárias, que trabalham a violência nas favelas do Rio de Janeiro como questão policial. Aí reside seu primeiro impasse: a reificação das periferias como locus do mal, a localização do problema. A ambigüidade inicial do filme começa pela sociologia que o construiu: o roteiro trata de uma obra produzida por uma “sociologia da segurança” em parceria com um policial que acredita que o BOPE é “como a quimioterapia: desagradável, mas necessária”. Que tipo de roteiro pode advir de semelhante aliança política? A direção do filme completa “o sentido histórico da crueldade”.
No Brasil, a recepção do filme evocou manifestações fascistas. O forte aparato publicitário organizou pré-estréias com homens de camisa preta: os “caveiras”. Creio que o filme faz a apologia do exterminador limpo, e o olhar moral sobre a polícia corrupta colabora com isso. Os personagens policiais vivem seus dramas; os leitores de Foucault na Universidade servem de clichê contra os discursos dos direitos humanos; os consumidores de drogas ilícitas são responsabilizados (a política criminal de drogas jamais!); os jovens pobres que trabalham no varejo aparecem objetificados, sem nome, sem persona, são figurantes das cenas de truculência, como os índios nos antigos westerns norte-americanos, estão ali para morrer, representando o grande medo de todos os outros. Nas cenas de tortura, o filme aciona a catarse; são cenas de ação, em que o ritmo e a música se intensificam, é esta a arte veloz a ser desfrutada. Convido todos que tenham visto esse filme a conhecer o seu antídoto, um filme brasileiro de 1969, realizado por Glauber Rocha no auge da ditadura militar: O dragão da maldade contra o santo guerreiro. Ele nos apresenta a mesma pugna: a luta entre o matador e o resistente no Brasil, a truculência histórica que faz com que os pobres se enfrentem, olho no olho, nos nossos sertões. Uma crítica de cinema admiradora de Glauber como eu, Ivana Bentes, ao se referir a um outro filme dessa onda disse que, ao contrário de Glauber, que propunha uma “estética da fome”, propunha-se no caso uma “cosmética da fome”. Tropa de Elite produz a estetização e a cosmetização da tortura e do extermínio e a glamourização do Estado policial. Não é por acaso que as elites brasileiras se sentem à vontade diante da matança produzida pelas tropas de elite nas favelas cariocas. O filme e seu sucesso (surpreendentemente até em Cannes) são um sintoma da adesão subjetiva à barbárie.
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